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Entrevista com Luciano Afonso Borges

O engenheiro Luciano Afonso Borges é referência no setor e conhece de perto os caminhos do desenvolvimento da engenharia consultiva. Diretor executivo da empresa Maubertec, Borges vem de longa data contribuindo para o setor, e nesta entrevista traz o seu conhecimento da área para os colegas de profissão.

 

Apecs – Como nasceu a engenharia consultiva no Brasil?

Luciano Afonso Borges – A engenharia consultiva, como a entendemos hoje, surgiu no país há cerca de cem anos, de modo que já era uma atividade consolidada quando comecei a atuar como engenheiro diplomado, em 1969. Por isso, precisei consultar os livros para responder a essa pergunta, que você já me havia adiantado.

Segundo o historiador e engenheiro Pedro Carlos da Silva Telles, entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do século XX, o campo de atuação do engenheiro se ampliou muito no país. Antes concentrado na construção, manutenção e operação de ferrovias, passou a englobar outras obras, como portos, rodovias, usinas hidrelétricas e redes elétricas, sistemas de adução e de esgoto etc.

Essa diversificação teve como resultado dois fenômenos interessantes. Um foi a criação de novas especialidades e campos de atuação, com a progressiva especialização dos profissionais. Outro foi a multiplicação das empresas e escritórios de projeto e de construção, mudando completamente o panorama do setor, antes dominado pelo serviço público e por algumas poucas empresas estrangeiras.

Assim, se considerarmos a engenharia consultiva nos moldes atuais, feita por empresas e por profissionais especializados, podemos afirmar que ela nasceu nesse contexto, por volta de 1920, expandindo-se e fortalecendo-se a partir de então.

Entretanto é importante ressaltar que essa data é apenas uma referência, pois o processo foi gradativo – muitas obras importantes continuaram a ser concebidas e executadas por órgãos públicos após essa data. Para ficarmos em um único exemplo, podemos citar o plano rodoviário paulista, o primeiro do país. Ele foi concebido, projetado e implantado por um órgão público, a Inspetoria de Estradas de Rodagem, criada em 1921, por decreto do então governador Washington Luiz.

 

Essa expansão de mercado foi acompanhada por uma ampliação correspondente do ensino de engenharia, capaz de suprir a demanda crescente por profissionais qualificados?

Luciano – Sim, e isso é um fator imprescindível. Até 1892, o Brasil contava apenas com duas escolas de engenharia, a Escola Politécnica do Rio de Janeiro (que teve sua origem na Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, fundada em 1792), e a Escola de Minas de Ouro Preto, em Minas Gerais, criada em 1874.

Com a proclamação da República, em 1889, o ensino de engenharia ganhou enorme impulso. Para se ter uma ideia, cinco escolas foram fundadas no intervalo de uma única década: a Escola Politécnica de São Paulo (1893), a Escola de Engenharia de Pernambuco (1895), a Escola de Engenharia Mackenzie (1896), a Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896) e a Escola Politécnica da Bahia (1897).

O ensino da engenharia continuou a se ampliar na primeira metade do século XX, de modo que em 1950 o país contava com dezesseis escolas da engenharia, que contemplavam diversas especialidades.

Algumas seguiam o modelo alemão, que combinava o conhecimento matemático e científico com tecnologia e inovação, dando grande ênfase aos cursos práticos e aos métodos experimentais. Era o caso da Escola Politécnica de São Paulo, fundada por Antonio Francisco de Paula Souza nos moldes da Eidgenössische Technische Hochschule (ETH) de Zurique, onde ele estudara. Outras, como a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, seguiam a linha francesa, conferindo maior peso à atividade científica pura.

 

Podemos apontar alguns nomes de destaque para o surgimento e consolidação da engenharia consultiva?

Luciano – Há tantos nomes, que citá-los nessa entrevista seria exaustivo. Mas podemos mencionar pelo menos dois muito relevantes.

Um deles é Francisco Saturnino Rodrigues de Brito (1864-1929), considerado o precursor da engenharia sanitária no país. Foi responsável por dezenas de projetos e obras de grande vulto, com destaque para o saneamento de Santos, Recife, Campos, Lagoa Rodrigo de Freitas (Rio de Janeiro) e a retificação do Rio Tietê (São Paulo). Em 1920, consolidando sua experiência profissional de 25 anos como sanitarista, ele fundou o Escritório de Engenharia Civil e Sanitária Francisco Saturnino de Brito – ou, simplesmente, Escritório Saturnino de Brito (ESB) –, tido por alguns estudiosos como o primeiro escritório brasileiro de engenharia consultiva.

Outro pioneiro foi Emílio Henrique Baumgart (1889-1943), dono do Escritório Técnico Emílio H. Baumgart (1926), que conquistou fama internacional no projeto de estruturas de concreto armado. Quatro obras calculadas por ele venceram, inclusive, recordes mundiais. A primeira foi o edifício Joseph Gire (1928), no Rio de Janeiro, que sediou a redação do jornal A Noite e por isso acabou ficando mais conhecido pelo nome do periódico. Foi o primeiro edifício de concreto armado inaugurado no Brasil e o maior arranha-céu da América Latina na época. Os outros três prêmios foram a Ponte sobre o Rio do Peixe (1930), em Santa Catarina, com vão de 68 metros, recorde para vigas retas de alma cheia e primeira ponte de concreto do mundo construída em balanços sucessivos; a cobertura das oficinas do Campo dos Afonsos (1930), no Rio de Janeiro, com o maior arco de concreto do mundo; e a Ponte sobre o Rio Mucuri (1938).

 

Como se desenvolveu a engenharia consultiva no Brasil?

Luciano – No início, conforme mencionado, predominava o setor público como projetista e implantador das obras de infraestrutura. Porém, com o tempo, as autarquias passaram a sofrer restrições orçamentárias, acompanhadas de uma progressiva desvalorização salarial, o que acabou impossibilitando a contratação de profissionais em número suficiente para enfrentar o aumento da demanda por novas obras. Assim, os trabalhos de projeto, antes realizados internamente, passaram cada vez mais a ser contratados junto a escritórios técnicos de engenharia da iniciativa privada. O mesmo processo ocorreu nas atividades de construção e, por último, nas de manutenção.

Essa configuração de órgãos públicos, as chamadas autarquias, atuando como contratantes e gestores da iniciativa privada para os projetos, para as construções e, em menor vulto, para a manutenção, predominou até a década de 1960 e conseguiu responder às demandas geradas pelo crescimento do país, embora as autarquias apresentassem sintomas de envelhecimento e falta de flexibilidade.

Na segunda metade da década de 1960, já no regime militar, o governo elaborou um plano estratégico que pretendia promover o crescimento acelerado do país e que se assentava na indústria de base e no provimento de infraestrutura de energia hidrelétrica, saneamento básico, transporte, mobilidade urbana e telecomunicação.

Como as autarquias estavam envelhecidas e engessadas, com pouca flexibilidade para gerir e enfrentar um programa dessa envergadura, o setor público partiu para a criação de empresas estatais, mantendo-se como acionista majoritário. Essas empresas, apesar de serem do governo, podiam atuar com uma administração muito próxima à de uma empresa privada, com liberdade para compor seus quadros diretivos e técnicos contratando engenheiros de alto nível.

Assim foi, no campo da siderurgia, com o programa de expansão da produção de aço; no campo do saneamento, com a constituição das empresas estaduais responsáveis por implantar o Plano Nacional de Saneamento – Planasa; no campo da energia elétrica, com as companhias federais Eletronorte, Eletrosul e Chesf e com as estaduais Cesp, Cemig e tantas outras, responsáveis pela implantação de uma grande quantidade de hidrelétricas no país. Por fim, no campo da mobilidade urbana, teve início a implantação da Linha Norte-Sul pela Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô.

Todas essas companhias foram estruturadas e implantadas debaixo dos sistemas Siderbras, Eletrobras, Telebras. No caso do Metrô, a companhia contratou o Consórcio Internacional HMD para estruturar, assessorar e treinar suas equipes, pois não havia pessoal capacitado e experiente no país para atender a esse tipo de obra e meio de transporte de alta capacidade.

As empresas de projeto que vinham atuando como escritórios técnicos focados em uma ou duas especialidades ampliaram seu campo de ação, tornando-se empresas multidisciplinares com competência para projetar os mais variados empreendimentos industriais, de infraestrutura e mineração.

Ao término da década de 1970, o setor de consultoria havia experimentado enorme crescimento, o que lhe permitiu passar da condição de importador para a de exportador de tecnologia. As maiores empresas de consultoria de engenharia do país figuravam entre as maiores do mundo e tinham experiência em obras de grande porte, com destaque para a monumental hidrelétrica de Itaipu. O país estava equipado com vários laboratórios para controle dos empreendimentos e muita inovação havia sido desenvolvida nesse período.

Infelizmente, nos anos de 1980, o Brasil entrou em crise aguda, com drástica baixa de investimentos, desequilíbrio fiscal e inflação galopante. Esse cenário provocou perdas irreparáveis para o setor da engenharia, devido à enorme redução das empresas de consultoria, obrigadas a desmobilizar engenheiros e técnicos capacitados e experientes. Alguns ainda procuraram se manter na área, ora isoladamente, ora em pequenos grupos, formando empresas de menor porte. Muitos, entretanto, acabaram mudando de atividade, perdendo-se assim um conhecimento valioso. A renovação do setor também ficou prejudicada, pois, nesse período, os engenheiros recém-formados tiveram extrema dificuldade de conseguir trabalho na área de engenharia, constituindo presa fácil para o setor financeiro.

As construtoras, por sua vez, passaram a atuar com subempreiteiros especializados, cortaram investimentos em equipamentos e reduziram drasticamente seus corpos técnicos – engenheiros dedicados ao desenvolvimento de soluções e processos executivos para as obras –, mantendo apenas gerentes de contratos e profissionais da área comercial. Nas décadas seguintes, os investimentos foram retomados timidamente e de forma oscilante.

Para atender às demandas, as administrações públicas passaram a se socorrer do gerenciamento e fiscalização prestados pelas empresas de engenharia do setor privado. Nesse cenário de instabilidade, carência de investimento e falta de planejamento de longo prazo por parte do governo, essa solução mostrou-se racional e eficaz para cobrir as necessidades, no mais das vezes descontínuas, evitando os custos de novos funcionários que, ao término dos empreendimentos, ficariam ociosos, onerando o orçamento público.

Para o setor privado, essa demanda da administração pública por serviços de gerenciamento e fiscalização representou um novo nicho de mercado. O problema é que, além da restrição de recursos e do empobrecimento técnico e de gestão, as companhias estatais passaram a sofrer influência política e a perder autonomia, ficando sujeitas aos Tribunais de Contas, de forma análoga às autarquias. Com isso, os aspectos relativos à capacitação técnica perderam força nas contratações de empresas de consultoria de engenharia, enfraquecendo e desvalorizando o setor de modo geral.

Nessa época, as contratações ocorriam por convite – atendendo aos requisitos de notória especialização definidos no Decreto-Lei nº 2.300/86 – e por adesão ao orçamento, elaborado pelo órgão contratante. Esse decreto foi substituído pela Lei nº 8.666, de 1993, que passou a fornecer diretrizes mais claras aos órgãos nos processos de contratação. No caso da consultoria de serviços técnicos de engenharia, o novo diploma legal estabeleceu a contratação pela melhor proposta técnica ou pela ponderação entre técnica e preço, vedando a contratação por preço mínimo e por leilão para serviços de engenharia.

Já no governo Fernando Henrique, o setor estatal foi reconfigurado. As novas implantações e a operação das empresas passaram para a iniciativa privada, ficando com o governo apenas o poder normativo por meio das chamadas Agências Reguladoras – órgãos técnicos, com mandatos rotativos para a diretoria, medida que visava afastar, ou ao menos reduzir, a influência política, a fim de manter a independência técnica e de gestão.

Assim ocorreu com as usinas siderúrgicas, com a Vale do Rio Doce e outras companhias, com as telecomunicações, com as concessões rodoviárias e ferroviárias.

No governo Lula, essa configuração de independência técnica e de gestão das agências sofreu pressões políticas que abalaram o conceito saudável a partir do qual foram criadas.

 

Como o senhor avalia a Lei nº 8.666/93 e seus efeitos?

Luciano – A Lei nº 8.666/93, que ainda hoje estabelece critérios para contratação de projetos e obras públicas, foi muito bem elaborada e é um bom diploma, se bem utilizado e respeitadas suas exigências, o que com frequência não ocorre.

Um dos pontos que merecem alteração é a possibilidade de contratar obras com projeto básico, cuja especificação está bem definida no instrumento. À primeira vista, essa brecha na lei parece favorecer a rápida implantação dos empreendimentos, pois permite licitar a execução da obra enquanto se finaliza o Projeto Executivo. Entretanto, tem efeito perverso para o interesse público sob todos os aspectos, tanto de adequação do empreendimento às suas funções, como de custo, qualidade e até prazo.

Isso porque o interesse político em um determinado empreendimento público leva os administradores, com frequência, a fazer uma interpretação liberal e oportunista dos requisitos estabelecidos na lei para o Projeto Básico. Assim, na pressa de dar início à contratação da obra, a licitação é instruída com um projeto básico mal estudado e com um orçamento frequentemente eivado de erros de avaliação, o que obriga a empresa contratada a firmar sucessivos aditivos contratuais de valor para conseguir concluir o trabalho.

Essa desorganização é fruto de uma liberdade que o poder político, infelizmente, utiliza muito mal. À medida que os estudos ambientais e a correspondente legislação entraram em vigor, essa liberdade ficou mais restrita em decorrência das três licenças obrigatórias – a Prévia, a de Instalação e a de Operação.

Não obstante, acredito que, enquanto não tivermos uma legislação com características análogas à Lei de Responsabilidade Fiscal, o país não estará vacinado contra improvisações nos investimentos governamentais, decorrentes do interesse político descolado do interesse público. Embora a improvisação seja muitas vezes enaltecida no Brasil como um predicado, ela não pode prevalecer sobre o planejamento de longo prazo, indispensável para qualquer programa de desenvolvimento sustentável. Essa proposta, que poderíamos chamar de Lei de Responsabilidade dos Investimentos, seria uma forma de disciplinar o setor público e conferir visão de longo prazo aos administradores.

 

Quais seriam os principais aspectos dessa lei de Responsabilidade dos Investimentos?

Luciano – Os pilares da Lei de Responsabilidade dos Investimentos seriam, em grandes linhas, os seguintes: o investimento precisaria estar inserido dentro de um planejamento de longo curso do país, desenvolvido tecnicamente e permanentemente revisto pelos órgãos de Estado, contemplando a atualização do valor do investimento, dos custos de operação e manutenção e da taxa de retorno, independente do governo de plantão.

Seria responsabilizado o executivo que autorizasse o início de obra sem que o Projeto Executivo estivesse aprovado, as Desapropriações já equacionadas e as áreas liberadas, as Interferências identificadas e inseridas no plano de execução da obra, as Licenças Ambientais emitidas. Também precisariam estar resolvidas as pendências que impactam o andamento da obra.

A aplicação de uma lei com esse teor traria importante contribuição, ao impor e valorizar o planejamento de longo prazo para o país, para os estados e municípios, além de propiciar saudável e necessário limite à discricionariedade do político, hoje excessiva e mal utilizada.

O construtor, por sua vez, teria melhores condições para executar a obra dentro do prazo e do orçamento, sem interrupções, eliminando a atividade improdutiva de gestor de canteiro de obra parada e reduzindo drasticamente o enorme parque de obras inacabadas espalhadas pelo Brasil, em processo acelerado de degradação.

Tais procedimentos gerariam uma economia substancial para os cofres públicos. Isso porque evitaria os vultosos custos e desperdícios das obras paradas e aumentaria a eficiência do sistema como um todo. Por fim, reduziria significativamente os riscos dos contratos e os desvios de orçamento, o qual seria elaborado a partir de um objeto perfeitamente caracterizado (Projeto Executivo), e não de um precário estudo inicial repleto de indefinições e incertezas.

A Lei de Responsabilidade dos Investimentos, portanto, traria como consequência a solução dos problemas da Lei nº 8.666/93 na origem.

 

Como avalia o atual estágio da engenharia consultiva no Brasil?

Luciano – A engenharia consultiva brasileira é muito boa, porém está muito sofrida e debilitada, devido a equívocos que vêm minando o acervo tecnológico do país e que decorrem de uma enorme irresponsabilidade de nossos dirigentes, retratada na crise atual. Um contingente expressivo de grandes e tradicionais empresas da área foi adquirido por multinacionais, que enxergaram um futuro promissor no país e que hoje, em função da crise, já se desfizeram de grande parte dos técnicos e engenheiros brasileiros que compunham seus quadros.

Na retomada do desenvolvimento, os clientes públicos vão se deparar com um mercado de consultoria muito diferente daquele com o qual estão habituados, e a relação comercial, a orientação técnica e administrativa terão outra configuração, embora o maior efetivo de engenheiros nessas empresas ainda continue sendo constituído por brasileiros.

 

Como desenvolver uma relação produtiva entre contratante e projetista nesse novo cenário?

Luciano – Antes de tudo, é fundamental ter clareza sobre um princípio básico: Quem determina a qualidade do mercado fornecedor de consultoria é a qualidade do mercado comprador. Ou seja, o mercado fornecedor é o reflexo do mercado comprador, que se debilitou muito a partir dos anos de 1980, do ponto de vista técnico e de gestão, conforme mencionado.

Com isso, toda a cadeia de contratação se deteriorou sensivelmente, desde as etapas iniciais de escolha do modelo de concorrência, até a gestão contratual em si, passando pelos instrumentos que instruem o processo, como termos de referência, orçamentos e prazos. Estes últimos passaram frequentemente a ser condicionados pelo interesse político.

Até os princípios mais básicos foram abandonados, levando o poder público a tratar a compra de projeto segundo a lógica do preço mínimo. Essa modalidade somente é adequada para a aquisição de produtos já existentes, cujas características e desempenho podem ser facilmente comparados com as de produtos similares produzidos por outros fabricantes. No caso da consultoria, no entanto, o produto (projeto) ainda não existe no momento da contratação.

Quando o cliente procura a projetista, tem apenas uma vaga ideia do produto que vai atender a sua necessidade. A compra de projeto, portanto, é uma compra de expectativa e de competência, cabendo à projetista a missão de ajudar a conceber e detalhar esse objeto. O sucesso de chegar ao produto que atenda aos aspectos funcionais, estéticos e de custo dependerá da competência da projetista e de sua sintonia com o cliente.

Por outro lado, a precificação do projeto sofre grande influência não apenas da complexidade do produto em si, mas também do contratante e da personalidade da contraparte, responsável pela gestão do contrato. Quando a contraparte está insegura quanto ao produto final, ela gera um volume substancialmente maior de trabalho para a projetista, com frequência sem remuneração complementar.

Esses aspectos tornam a precificação de projetos uma atividade complexa, que contém um risco de difícil avaliação, seja decorrente do objeto em si, seja da sua gestão contratual. Consciente dessa natureza, a Lei nº 8.666/93 concede à autoridade contratante flexibilidade para utilizar o processo de contratação que julgar mais adequado para o caso. Porém, essa liberdade tem sido mal aproveitada.

Portanto, o primeiro aspecto essencial a se recuperar é a capacidade técnica e de gestão dos órgãos públicos. Além disso, as contratações devem ser embasadas em estudos e instrumentos fidedignos e conduzidas, em todas as suas etapas, por profissionais capacitados e experientes.

O segundo aspecto essencial é eliminar as restrições e interferências indevidas de outras instâncias, sobretudo dos Tribunais de Contas, a fim de proporcionar ao executivo as condições necessárias para o bom uso dessa prerrogativa.

 

A que tipo de intervenção indevida dos Tribunais de Contas o senhor se refere?

Luciano – Embora os Tribunais de Contas tenham sido mais bem aquinhoados que o executivo, em termos de remuneração e treinamento, eles também partilham da crença generalizada de que o menor preço de projeto garante o melhor atendimento ao interesse público. Como já foi dito, isso só é verdade quando se trata de um produto pronto, com garantia de qualidade.

Quando se compra uma concepção, um projeto ou um serviço técnico especializado, nos termos da Lei nº 8.666/93, o melhor atendimento ao interesse público resulta sempre de uma ponderação entre preço e aspectos técnicos. Ou seja, a melhor compra é a que proporciona a melhor solução do problema, dentro do orçamento disponível.

Afinal, embora o projeto responda por apenas 3% a 6% do custo da obra, ele é responsável pelo desenvolvimento e definição do produto, com enorme impacto sobre a qualidade da solução, a funcionalidade e adequação da obra, e bem como sobre os custos de construção, operação e manutenção, etapas de custos muito maiores.

Infelizmente, os Tribunais de Contas, em várias oportunidades, têm demonstrado não possuir essa consciência. Com frequência, interferem nos processos de licitação, recomendando minoração do peso dos aspectos técnicos frente aos de preço, a fim de reduzir o valor da contratação de projeto. Ou seja, retiram do poder executivo o direito discricionário garantido pela Lei nº 8.666/93, de estabelecer o critério de contratação de serviços de consultoria. Com isso, os Tribunais de Contas exorbitam suas funções e impõem regras que geram resultados nocivos ao interesse público, além de ferir a autonomia dos poderes, garantida pela Constituição.

Ocorre que as atividades de fiscalização são inimputáveis, ou seja, não há consequências ao fiscal, caso ocorra uma falha no exercício das suas funções, por mais absurda que seja a recomendação realizada. Já os administradores públicos do poder executivo respondem por seus atos com seus bens particulares, que podem ser indisponibilizados em decorrência de eventuais irregularidades no exercício de suas funções. Havendo uma denúncia, os bens podem ser bloqueados até que a situação se esclareça.

Essa situação deixa os gestores do poder executivo em uma condição extremamente difícil, que os condiciona a não questionar orientações dos tribunais, mesmo quando são visivelmente equivocadas e produzem resultados contrários ao interesse público.

Ou seja, no mais das vezes, por motivos óbvios de autopreservação, o administrador atende às exigências do Tribunal, mesmo sabendo que está contratando mal, isto é, no lugar de uma solução, está comprando um problema. O Tribunal, por sua vez, não acompanha os resultados nem as consequências de suas intervenções. Também não é responsabilizado por eventuais efeitos deletérios de suas decisões.

 

Como vê a opção RDC para a engenharia consultiva brasileira?

Luciano – O RDC Integrado é outra improvisação decorrente da nossa incapacidade de planejar e atuar de acordo com o planejado. Esse regime foi criado para contornar a Lei nº 8.666/93, com o objetivo de acelerar os processos atrasados de contratação destinados à preparação do país para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Depois, foi sendo ampliado por exigência do governo federal, quando havia recursos federais envolvidos.

O RDC constitui um enorme equívoco, uma tentativa de resolver problemas atuando em seus efeitos, e não nas causas. Segundo os princípios mais elementares de uma boa aquisição, o comprador precisa, pelo menos:

  • saber o que quer comprar;
  • saber quanto custa o produto;
  • conhecer o mercado fornecedor.

 

Essas são condições mínimas, gerais e incontornáveis, que o RDC contradiz frontalmente.

Para acelerar a identificação do que se quer comprar, o RDC usou a figura do Anteprojeto, que é um estudo mais precário do que o estabelecido na Lei nº 8666 para o Projeto Básico. Portanto, a contratação pelo Anteprojeto aumenta, e muito, o grau de ignorância, incerteza e risco, contrariando o primeiro princípio.

Como a identificação do produto se faz através do Anteprojeto, o custo apurado a partir dessas informações é também precário, contrariando o segundo princípio.

Como se não bastasse, ainda há outros agravantes. O comprador transfere para o construtor o Projeto Executivo, que é a definição final do produto. Assim, abre mão de sua prerrogativa de influir no desenvolvimento do produto e, com isso, aumenta substancialmente o risco de não conformidade do resultado final. Não há como fugir do conflito de interesses que se estabelece entre o cliente e o construtor no Projeto Executivo.

Além disso, as concorrências por RDC Integrado estabelecem como exigência a participação da projetista no consórcio construtor. Essa exigência é um equívoco porque, nos editais, os termos de consórcio normalmente exigem a responsabilidade solidária sobre o objeto da contratação. Ora, não é minimamente razoável que um consorciado com participação muito pequena no valor da contratação, que é a situação da projetista, assuma todo o risco do empreendimento. A consequência dessa formulação é o alijamento das empresas de projeto desse tipo de contratação, em função do risco totalmente desproporcional. O correto seria passar a projetista para a condição de subcontratada, em vez de consorciada, ou deixar a escolha a cargo das empresas.

Por fim, o RDC Integrado utiliza o processo de leilão para obter a proposta dita mais vantajosa. Essa modalidade é adequada para se obter a melhor oferta para um produto acabado, mas jamais para a escolha de um projetista e um construtor, a partir de um Anteprojeto, deixando na mão deste último o Projeto Executivo e a construção propriamente dita.

Como o leilão estimula o preço mínimo, o foco do construtor será prioritariamente a redução de custos, desde a elaboração do Projeto Executivo, mesmo em prejuízo do empreendimento. E, na fase de construção, continuará reduzindo custos nos materiais e na mão de obra, mesmo comprometendo a qualidade da edificação. Não há como ser diferente.

Não adianta o cliente responsabilizar o fornecedor pela má qualidade do projeto ou da construção. Para melhorá-los, o cliente deve rever seus processos de compra como um todo, pois somente será razoável exigir qualidade do fornecedor se a compra for bem-feita, com critérios de escolha que valorizem as melhores soluções, com remuneração razoável e prazos realistas.

Portanto, está claro que o RDC vai na contramão de todos os princípios essenciais para uma boa contratação e administração, que estão explicitados na proposta formulada de uma Lei de Responsabilidade dos Investimentos. Mal comparando, se transpusermos essa situação para o ambiente financeiro, o RDC seria o equivalente a uma carteira de investimentos na qual a remuneração do fundo fosse inversamente proporcional ao risco. Difícil seria encontrar algum investidor interessado…

Concluindo, o RDC não é uma opção adequada; a Lei nº 8.666/93 aprimorada é o caminho. No caso das Companhias Estatais, a nova Lei nº 13.303/16 veio resgatar maior liberdade para o estabelecimento de processos e critérios de compra que essas companhias possuíam na década de 1970. Como sempre ocorre, maior liberdade, maior responsabilidade. Vamos aguardar os resultados dessa nova fase.

 

Qual o papel das empresas de engenharia consultiva na formação de mão de obra especializada?

Luciano – Normalmente, as empresas costumam ter um quadro de estagiários de 4º e 5º anos dos cursos de engenharia e de outras especialidades, atuando em tempo parcial. Essa situação traz benefícios para ambas as partes.

A empresa tem a oportunidade de conviver com o futuro profissional em uma relação transitória, podendo analisar seu potencial para possível aproveitamento nos quadros de colaboradores permanentes após o término do curso.

O estagiário, por sua vez, pode conviver em um ambiente de produção de projetos diversos, conhecer as rotinas do cotidiano profissional e avaliar, pelos trabalhos que realiza, se correspondem aos seus anseios.

Depois que o profissional se incorpora à empresa, ela geralmente facilita a compatibilização dos trabalhos com sua participação em cursos de pós-graduação. De resto, a atuação nos projetos em desenvolvimento na empresa e o convívio com os profissionais mais experientes e seniores vai contribuindo para aprofundamento da especialização.

 

Em sua opinião, como o setor pode retomar o crescimento?

Luciano – A engenharia consultiva é uma atividade típica de desenvolvimento. Assim, ela vai atuar em plenitude se os investimentos retornarem. O país ainda é extremamente carente de infraestrutura, há muito que fazer. Entretanto, para suprir essas demandas, é preciso que o governo recupere o equilíbrio fiscal e retome os investimentos, com responsabilidade.

 

Como vê a contratação de empresas estrangeiras para projetos de PPP e PPI?

Luciano – Como já mencionei anteriormente, uma quantidade muito grande de empresas nacionais de projeto foi adquirida em anos recentes por multinacionais espanholas, alemãs, francesas, australianas e chinesas. Portanto, é inevitável que empresas estrangeiras e empresas estrangeiras nacionalizadas – isto é, que se radicaram no país – participem do processo.