Luiz Pladevall (*)
As paisagens inópias do sertão nordestino representaram por décadas o flagelo de uma população obrigada a enfrentar uma aridez cortante. No nosso imaginário, uma boa parte do Nordeste sempre foi marcada pela escassez hídrica, conflitos pela água e fuga da população, mas esse cenário já não é mais exclusividade daquela região. A seca inclemente tem atingido outras localidades do país, aumentando os conflitos pela água em vários estados brasileiros. Vivemos a contradição de contar com mais de 10% de toda a água doce do mundo, mas 80% desse volume está na bacia do rio Amazonas, região habitada por menos de 10% da população brasileira.
O cenário de distúrbios está refletido nos dados da ANA (Agência Nacional de Águas), que revela 223 “zonas de tensão” permanentes de disputa por recursos hídricos em todo o país. Em 2010, eram apenas 30 localidades com registro semelhante. Um outro levantamento, produzido pelo jornal O Estado de S. Paulo, publicado em fevereiro de 2020, revela que há 63 mil Boletins de Ocorrência (BOs) abertos em delegacias nos últimos cinco anos, relacionados diretamente por conflitos pela água. As desavenças se multiplicam e estão presentes em áreas no Amazonas, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Pará, Paraíba, Pernambuco, Tocantins e Distrito Federal.
Um alerta da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta aumento de 55% da demanda mundial por água até 2050 diante de mais de 9,1 bilhões de habitantes no planeta, sendo que 40% dessas pessoas viverão em regiões com situação de estresse hídrico.
Por isso, a gestão dos recursos hídricos e a implementação do saneamento precisam ganhar impulso e se tornar uma política de Estado permanente, independentemente dos administradores de plantão. A falta de água não afeta apenas as populações mais pobres. A água é um recurso essencial para o desenvolvimento econômico e social de uma nação. Hoje, a água se transforma em energia elétrica, abastece milhões de pessoas, é responsável pela criação de peixes e um insumo fundamental para a maioria das indústrias. Já a ausência de saneamento reponde ainda por muitas doenças.
Os recursos hídricos podem se tornar tão valiosos, que o custo de produzir água potável pode encarecer muito esse bem no futuro. Os impactos dessa nova realidade ainda não foram mensurados, mas, com certeza, a conta terá que ser paga por toda a sociedade.
(*) Luiz Pladevall é engenheiro, presidente da Apecs (Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente) e vice-presidente da ABES-SP (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental).