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Entrevista Luiz Roberto Pladevall – Por que São Paulo vira o caos quando chove forte?

Enchentes: Por que São Paulo vira o caos quando chove forte?

 

Subsidiar habitações populares, investir em um sistema de alertas e tratar melhor os resíduos sólidos da cidade. Estudiosos ouvidos pela reportagem apontam algumas soluções para enfrentar o problema das enchentes em São Paulo. Na madrugada de ontem, 12 pessoas morreram e outras seis ficaram feridas por conta das chuvas torrenciais que atingiram a capital paulista e sua região metropolitana.

Os reflexos trágicos causados pela chuva têm origem histórica: vários bairros da cidade estão encrostados geograficamente em vales, áreas de baixa altitude cercadas por outras mais altas. A problemática, no entanto, conhecida há décadas, já poderia ter sido corrigida ou pelo menos amenizada pelo poder público.

“Temos um problema crônico de enchentes, decorrente de equívocos de mais de um século. Pouco ou nenhum planejamento urbano, ocupação de encostas… O que estamos sentindo é a consequência disso”, diz ao UOL o urbanista e professor da Universidade de São Paulo Nabil Bonduki.

Para Bonduki, atuar na prevenção, com informações rápidas e efetivas para quem mora nas regiões mais delicadas da cidade, e repensar uma política de moradia popular são fatores fundamentais para tentar coibir os problemas das enchentes.

“Não vamos resolver o problema no curto prazo, mas, nesse momento, é preciso pensar num sistema de alertas, como já existe no Rio. O poder público precisa estar preparado para antecipar os eventos climáticos, alertar os riscos para as pessoas que vivem em locais de risco”, diz Bonduki.

A tempestade que despontou na madrugada de domingo para segunda, porém, teve características específicas por conta da intensidade. Ontem foi o segundo dia mais chuvoso em março desde que o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências) da Prefeitura de São Paulo passou a medir o índice de chuva na cidade, em 1995.

A imprevisibilidade e o tom extremo da chuva têm relações diretas com as mudanças climáticas, conforme apontado pelo engenheiro e vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-SP), Luiz Roberto Pladevall.

“Importante deixar claro que o que houve foi um fenômeno extremo. Nenhuma previsão poderia combater isso. São fatos extremos e, como técnico, digo que isso está ligado às mudanças climáticas. Em fevereiro, houve um acúmulo de massas quentes e isso resultou numa precipitação extrema”, diz Pladevall ao UOL.

Para o engenheiro, a construção das chamadas “piscininhas”, reservatórios individuais que retêm a água da chuva e podem ser utilizados para reúso, não seria eficiente em uma chuva forte. “Essas estruturas não dariam conta com a quantidade de água que caiu. Só a construção de piscinões poderia resolver”, diz.

Bonduki discorda parcialmente. “Na hora em que você tem um jato de água muito forte, em vez de a água correr pelas ruas num espaço curto de tempo, ela ficaria retida”, afirma o urbanista.

Parques e acúmulo de lixo Bonduki e Pladevall concordam, no entanto, que a destruição das áreas verdes da cidade colabora para o aumento das enchentes. Com uma maior quantidade de área asfaltada, aumenta também a impermeabilização do solo, ou seja, a água escorre pelas ruas como se fossem canos. No asfalto, a água atinge grandes velocidades nos córregos e acaba transbordando.

“Isso poderia ser solucionado com a construção de parques lineares, de mais áreas permeáveis, temos de pensar em soluções drenantes”, diz Pladevall. “A tendência em São Paulo é piorar. Redução de áreas verdes, impermeabilização do solo, redução da arborização, temperatura elevada… Tudo isso é mais ou menos combinado”, afirmou Bonduki.

Outro fator preponderante para as enchentes é o acúmulo de lixo. Mesmo com um relativo debate da sociedade sobre a questão, resíduos sólidos continuam entupindo bueiros e bocas de lobo em todas as chuvas fortes que a cidade recebe.

Esse fenômeno coincide com o salto do Brasil na produção de lixo plástico. Relatório da organização não governamental WWF (Fundo Mundial para a Natureza), publicado pelo UOL, mostrou que o Brasil saltou doze posições nos últimos dez anos em termos de produção de lixo plástico. Hoje, ocupamos o quarto lugar no mundo e reciclamos apenas 1,2% de todo o lixo.

“Hoje temos enchentes em lugares onde tradicionalmente não havia esses fenômenos, isso por conta do entupimento dos bueiros pelo lixo. O sistema é simples, se você tem muita água e menos vazão, a água acumula. Então acho que a ideia, em um curto prazo, é tentar retardar a chegada dessa água ao seu destino final”, disse Bonduki.

Algumas soluções que podem ajudar a resolver os problemas das enchentes em São Paulo, a curto e a longo prazo, segundo os especialistas ouvidos pelo UOL:

Curto prazo:

  • Estabelecer um sistema de alertas, com sirenes e informações rápidas para as pessoas que vivem em áreas de risco na cidade;
  • Construção de “piscininhas”, pequenos reservatórios utilizados para conter as enchentes e reutilização das águas da chuva, em estabelecimentos públicos e privados;
  • Construção dos “piscinões”, grandes reservatórios para onde a água escorre durante as chuvas. A cidade já tem algumas estruturas desse tipo, mas, até o final do ano passado, obras estavam paradas segundo reportagem do Agora.

Longo prazo:

  • Fortalecer programas de habitação popular para pessoas de baixa renda. Por conta do déficit habitacional da cidade, muitas pessoas têm de viver em áreas de risco e ficam sujeitas a desabamentos e soterramentos. Na chuva de ontem, cinco pessoas morreram, incluindo uma criança, por conta de desabamentos;
  • Traçar políticas públicas para os resíduos sólidos da cidade. O lixo ainda é responsável pela obstrução de bueiros e bocas de lobo, o que intensifica as enchentes;
  • Construção de parques lineares e outras soluções que envolvam a substituição do concreto por áreas permeáveis.

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